quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Opinião Clodoaldo Dechichi: Morte Súbita no futebol - Aconteceu de novo!

O fisiologista do futebol traz sua opinião sobre o tema, após mais uma morte


O mundo do futebol ficou mais triste na última terça-feira (02 de agosto). Desta vez a notícia veio do outro lado do mundo. Morreu o jogador japonês Naoki Matsuda, zagueiro do Matsumoto Yamaga e ex-jogador da Seleção do Japão. O atleta, de 34 anos, caiu ao gramado após sofrer uma parada cardíaca, imediatamente após 15 minutos de atividade na sessão de treinamento de sua equipe, que disputa a terceira divisão do futebol japonês. Mesmo sendo atendido por médicos no campo de treino, Matsuda foi levado ao hospital, mas não resistiu e morreu. Matsuda disputou a Copa do Mundo do Japão/Coréia do Sul, em 2002, e jogou 40 jogos pela Seleção do Japão. A morte de Naoki Matsuda coloca novamente em destaque um antigo questionamento: como está o “Coração de Atleta” no esporte? Ele encontra-se saudável?
REGISTROS DE MORTE SÚBITA NO FUTEBOL
Muitos jogadores morreram por conseqüência de parada cardíaca no futebol de alto rendimento, durante as disputas de competições pelo mundo. Abaixo seguem alguns registros.
O zagueiro Serginho, 30 anos, jogador do São Caetano/SP, sofreu uma parada cardíaca aos 14 minutos do segundo tempo, numa partida contra o São Paulo, ocorrida no maior estádio particular do mundo, em 27 de outubro de 2004. Exames feitos em fevereiro de 2004, no Instituto do Coração (Incor-SP) revelaram que Serginho tinha arritmia devido à miocardiopatia, doença que dilata o músculo cardíaco. Segundo o Dr. Miguel Moretti, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a situação do jogador Serginho era muito delicada. A indicação do jogador poder praticar esporte competitivo era muito limitada. Serginho tinha um espessamento na parede ventricular esquerda do coração, ou seja, um aumento da camada muscular daquele ventrículo, muito acima de valores considerados normais, como se o coração tivesse feito “halterofilismo”. O laudo da morte do jogador indicou hipertrofia miocárdica, ou seja, um agravamento da doença já detectada no Incor-SP.

O jogador espanhol Antonio Puerta, do Sevilla (Espanha), com passagens pela Seleção da Espanha, morreu por conseqüência de encefalopatia e por uma falência múltipla dos órgãos proveniente da parada cardíaca que sofreu no jogo que disputou contra o Getafe, no dia 25/08/2007, no Estádio Ramón Sánchez Pizjuán, pelo Campeonato Espanhol. O lateral esquerdo de 22 anos, nascido em 26/11/1984, foi internado, mas não resistiu, falecendo dois dias depois do ocorrido. Segundo o cardiologista Víctor López, o jogador sofreu uma paragem cerebral excessivamente prolongada e necrose do tecido nervoso. Puerta foi submetido a uma bateria intensiva de exames, depois de ter “desmaios” repetitivos nos últimos tempos. Antonio Puerta poderia sofrer de uma doença cardíaca congênita, provavelmente uma displasia arritmogênica do ventrículo direito (desenvolvimento anormal de tecidos, onde ocorre a substituição progressiva das células por tecido fibrogorduroso).
O húngaro Miklos Fehér sofreu parada cardíaca no final do jogo do Benfica contra o Vitória de Guimarães (25/01/2004). O atacante de 24 anos, nascido em 20 de julho de 1979, foi levado ao Hospital de Guimarães, falecendo horas depois.
O defensor de Camarões Marc-Vivien Foe, de 28 anos, morreu durante jogo de seu país contra a Colômbia, pela semifinal da Copa das Confederações, em 26/06/2003. Foe disputou mais de 60 jogos pela Seleção de Camarões e atuou também pelo West Ham United e pelo Lens. Jogou sua última temporada pelo Manchester City, emprestado do Olympique de Lyon. Suspeitou-se que ele tenha sofrido um ataque cardíaco ou aneurisma. O médico da Seleção de Camarões, Olivier Assamba, informou que o jogador teve uma diarréia quatro dias antes do jogo. A Copa das Confederações de 2003 foi disputada na França.
TRAGÉDIAS NO MUNDO DO ESPORTE DURANTE COMPETIÇÕESMuitos atletas também morreram durante competições no mundo do esporte, devido à parada cardíaca. Abaixo seguem alguns deles.
1988: Connie Meijer, ciclista holandesa de 25 anos, durante uma prova seletiva na Holanda teve um mal-súbito. Morreu devido à parada cardíaca.
21 de abril de 1980: durante um treino em Bordeaux (França), o jogador francês Omar Sahnoun morreu em conseqüência de uma parada cardíaca. Ele tinha 24 anos.
30 de maio de 1977: aos 5 minutos do segundo tempo, o jogador italiano Renato Curi, de 24 anos, caiu ao gramado no jogo da sua equipe Perugia contra o Juventus de Turim. Foi constatado que o jogador tinha uma má formação cardíaca congênita.
13 de julho de 1967 – Volta da França de Ciclismo: no sul da França (etapa do Monte Ventoux), sob condições de forte calor, Tom Simpson (britânico de 29 anos) teve parada cardíaca. Suspeitou-se que o atleta se utilizava de substância dopante (anfetamina) para melhorar sua capacidade física.
NO BRASIL, MAIS CASOS RECENTES
A cada perído ficamos sabendo de fatos que ocorrem em atletas e praticantes de esportes do cotidiano, culminando na morte súbita.
Uma dessas notícias vem do estado do Piauí, onde um jogador de 17 anos (Leonardo da Silva) morreu após ser vítima de parada cardíaca. Léo, como era chamado, jogava a final do torneio amador da Fazenda Boa Esperança defendendo a equipe da Lagoa Seca. Em seu currículo futebolístico, a jovem promessa do futebol Piauense passou por equipes como Marília A.C. (SP), Uniclinic (Fortaleza-CE) e Pão de Açucar (SP). O atleta jogava normalmente quando caiu desmaiado em campo. O fato ocorreu aos 19 de junho de 2011.
Outro registro foi o óbito do jogador de futsal Émerson Rodrigues Rocha, o “Messinho”. O jogador se aquecia no jogo entre sua equipe, a “Associação Desportiva Vale do Sol Futsal” (ADVF), contra a AGE de Guaporé, em 30/07/2011, quando teve um mal-súbito.O fato ocorreu no ginásio no município de Guaporé (RS), no Vale do Rio Pardo, 210 km de Porto Alegre. “Messinho”, que tinha 38 anos, atuou na Seleção Brasileira de Futsal.
MORTE SÚBITA NO RIO DE JANEIROAconteceu no Campeonato Carioca da série B. O fato ocorreu no Estádio Municipal Alair Corrêa, em Cabo Frio, aos 08 de maio de 2010, no jogo entre Cabofriense e Mesquita. O jogador Fred, meio-campista de 26 anos, que atuava pelo Mesquita, teve um mal-súbito no primeiro tempo da partida. Levado ao Hospital Central de Emergência de Cabo Frio, veio a falecer. A causa da morte foi parada cardíaca. O jogador teve passagens pelo América (RJ), Resende e Bangu.
MORTE SÚBITA EM PRATICANTES AMADORES
Os praticantes anônimos ou amadores do esporte também estão sendo vítimas da morte súbita. O “coração jovem” também está sofrendo parada cardíaca, inclusive crianças. Foi o que aconteceu com Éder Monteiro, de 13 anos, na cidade praiana de São Vicente (SP), em março de 2010. O jovem sofreu um desmaio e caiu ao chão quando jogava futebol com seus amigos no polivalente da Ribeira Bote.

O praticante de Taekwondo, Murilo Penitente, 20 anos, morreu durante uma aula desta modalidade na cidade de Marília (SP), em 01/08/2011. Exames cardiológicos anteriores já indicavam que ele tinha um sopro no coração, e que não deveria praticar atividade física acima da sua condição limitada.

Um rapaz de 24 anos teve morte súbita jogando futebol em Belo Horizonte no dia 08 de julho de 2011. Luiz Antônio Braga Oliveira jogava bola em uma quadra no bairro Bonfim, região noroeste da capital mineira, quando passou mal. O jovem jogou 5 minutos, depois reclamou de dor e deitou no chão. A ambulância foi chamada. O rapaz morreu devido uma parada cardiorrespiratória, segundo os paramédicos.

A morte súbita tem sido verificada em atletas de alto rendimento de diversas modalidades, em atletas e praticantes amadores, sedentários, inclusive em pessoas que fazem alguma atividade somente nos finais de semana. Originária de parada cardíaca, a morte súbita pode ser provocada por uma condição congênita, ou seja, de ordem estrutural presente desde o nascimento ou primeiros anos de vida de uma pessoa, de modo a afetar a funcionalidade, a ritmicidade, a contratilidade e a refratariedade, criando anomarlidades no fluxo sanguíneo, na condução do potencial elétrico e na alteração no sincronismo mecânico do coração. Deficiências nas paredes internas, nas câmaras cardíacas, no sépto ventricular, nas válvulas, nos nodos e marca-passo “natural”, nas artérias e veias são alguns exemplos.

TREINAMENTO FÍSICO PROMOVE ADAPTAÇÃO NO CORAÇÃOSegundo a Organização Mundial de Saúde (2005), as doenças cardiovasculares lideram as causas de morte no mundo. Dentre essas doenças, a hipertrofia ventricular esquerda (HVE), pode constituir um indicador de grande relevância no risco de mortalidade cardiovascular, podendo apresentar risco de morte seis vezes maior que a população em geral. A HVE do coração pode ocorrer devido à sobrecarga de volume (adição de sarcômeros em série) ou devido à sobrecarga de pressão (adição de sarcômeros em paralelo). No primeiro caso, a hipertrofia é denominada de excêntrica, e o segundo caso de hipertrofia concêntrica.
O corpo humano reage a todo estímulo fisiológico. Assim, o exercício físico promove adaptações no coração, também conhecido como remodelagem cardíaca, bem como mudanças na geometria do ventrículo esquerdo para atender as demandas fisiológicas da atividade e melhorar o desempenho. A característica da modalidade esportiva e seu treinamento conduzirão o coração a uma condição de adaptação ou remodelagem.
Como exemplo, o coração do halterofilista, durante sua atividade, bombeará mais sangue a cada minuto (débito cardíaco) que o nadador. O halterofilismo promove a hipertrofia ventricular esquerda do tipo concêntrica (sobrecarga de pressão), já a natação, promove a hipertrofia ventricular esquerda excêntrica (sobrecarga de volume). São características do “Coração de Atleta”, onde há adaptações morfológicas, funcionais e moleculares aos exercícios de “força” e “resistência”.
ADAPTAÇÃO DO CORAÇÃO DO FUTEBOLISTA
PARECE SER DIFERENTE

O futebol é uma modalidade de intermitência onde os jogadores realizam corridas em intensidades variadas (leves, moderadas e rápidas), além do “andar” e do “estar parado”, que representam momentos de recuperação física do jogador no jogo. Chega a percorrer entre 10 a 12 km por jogo, somando-se todos estes trechos de intermitência, bem diferentes dos 5 km percorridos, em média, décadas atrás. Além disso, os treinos tornaram-se mais longos e extenuantes, com recuperações curtas entre as sessões de treinos e pós-jogos. Então, parece estar evidente que o coração do jogador de futebol está sendo mais exigido, indicando estar trabalhando acima de limites toleráveis dentro da individualidade de cada jogador, o que caracteriza uma sobrecarga hemodinâmica sobre o coração, e provavelmente uma adaptação e remodelagem do coração diferenciada dos outros esportes.
Pesquisadores descrevem que exercícios regulares e equilibrados promovem sobrecarga hemodinâmica transitória conduzindo o coração à hipertrofia adaptada (fisiológica). Entretanto, alertam para o fato que exercícios extenuantes e contínuos promovem sobrecarga hemodinâmica persistente conduzindo o coração à hipertrofia mal-adaptada (patológica). Desta forma, o espessamento da parede do ventrículo esquerdo na hipertrofia fisiológica pode ser considerado um padrão aceitável de remodelagem do coração. Entretanto, a hipertrofia patológica promove aumento de massa exagerada do miocárdio, enrijecimento muscular, arritmias, isquemia, necrose celular, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e risco de morte súbita.
Atualmente pesquisadores espanhóis procuram demonstrar que o coração dos jogadores de futebol é diferente dos de atletas de outros esportes, o que poderia ter alguma relação com os casos de morte súbita no campo de jogo e de treinos. Segundo os pesquisadores, a causa mais frequente da morte de atletas durante a prática de futebol é um engrossamento (espessamento) que ocorre nas paredes do coração. Para este estudo, está sendo utilizado um grupo de 30 jogadores de dois clubes da Espanha. Um dos médicos envolvidos na pesquisa não hesitou ao dizer que “o coração de jogador do futebol de rendimento é diferente do Coração de Atleta”
CATEGORIAS DE BASE E ESCOLINHAS DE FUTEBOL PODEM
ATÉ DESENVOLVER ANOMALIA CARDIOVASCULAR

As Categorias de Base dos clubes de futebol de alto rendimento, bem como as Escolinhas de Futebol, formadoras de novos talentos, podem estar priorizando cada vez mais a “mecanização” da performance, o que promoveria a precoce formação do jovem atleta. É importante destacar que existem fases de desenvolvimento biológico e maturacional que necessitam ser observadas. Trata-se da pré-puberdade, puberdade e pós-puberdade. Vale ressaltar que a puberdade representa o período de transição do desenvolvimento humano, circunstanciada por transformações biológicas de âmbito comportamental (psíquico), corpórea (físico), neural, hormonal, renal, etc. Atividades intensas, extenuantes, persistentes e não condizentes com a fase maturacional do jovem futebolista em formação, podem promover riscos aos músculos, articulações, tendões, cartilagens, coluna vertebral, distúrbios emocionais, psíquicos e hormonais, bem como sobrecargas hemodinâmicas exageradas sobre o coração, nosso assunto de destaque, podendo até desenvolver, nestas condições, anomalia cardiovascular que poderá ser agravada com a continuidade de treinamentos extenuantes, intensos e persistentes ao longo do tempo, podendo até desencadear a temida morte súbita no futuro.
EXAMES ELETROCARDIOGRÁFICOS AUXILIAM NO DIAGNÓSTICO
Os exames eletrocardiográficos em repouso e no exercício, bem como o diagnóstico ecocardiográfico e o monitoramento constante da Pressão Arterial (PA) constituem ferramentas imprescindíveis que auxiliam na avaliação da saúde do coração, na aptidão ao exercício físico e na prevenção e minimização da morte súbita nos campos e quadras desportivas. Devem ser aplicadas periodicamente em todas as categorias da base e profissionais dos clubes e nas Escolinhas de Futebol e nos praticantes de todas as modalidades (amadores e profissionais).
CONSIDERAÇÕES FINAISFisiologistas, Preparadores Físicos, Médicos e pesquisadores da área cardiovascular necessitam ficar demasiadamente atentos sobre o assunto da morte súbita nos campos de futebol e nas quadras desportivas, que vem vitimando atletas profissionais, atletas amadores e praticantes comuns de atividade física, em todas as idades, no Brasil e no mundo. Não se pode mais fechar os olhos para uma realidade tão cruel: a morte súbita nos esportes. Finalizando, “com a palavra os especialistas”.

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