Inamovível país da memória. Incorruptível como um seio de Santa Teresa ou um filme de Roger Vadim
Três homens, uma mesa e uma garrafa. Uns aperitivos pelo meio. Sentam-se, conversam e relembram o passado. Os olhos brilham, enchem-se de água, tudo ali é saudade. Já passaram os sessenta mas as recordações estão lá, vivas, eternas e melancólicas. A nostalgia invade-os, toma-lhes a alma e fá-los sonhar. Estão noutra. Metade da idade, o dobro da força, o triplo da energia. Recordam o que os fazia viver. Porra, como estamos velhos. Voltaram a juntar-se. Como antes. Há muito que não o faziam. Comem, bebem, conversam e revivem. Do que fizeram, do que mudou, de tudo. Diz um deles: e o nosso Sporting? Os outros não respondem. E o nosso Sporting? Olhares cruzados, ombros encolhidos, sobrancelhas franzidas. Bem, lá está…
O Jordão, pá, o Jordão é que era um artista, ele e o Manel, o de Sarilhos, o grande Manel. Ali há entusiasmo, há muitas memórias, há muito orgulho naquelas palavras e naqueles tempos de ontem. Há amor a uma causa. A voz sobe, os gestos tornam-se mais rápidos, as palavras saem com facilidade e as imagens não podiam ser mais nítidas. Então, pá, não estão a ouvir? Não se lembram daquelas tardes no velhinho José de Alvalade? Eles ouvem. E recordam. Sabem do que se fala e têm muito a dizer. Por que não o fazem? Por que preferem olhar para o chão? Não têm o mesmo espírito nem a mesma garra. São mais comedidos e quase se desligaram da actualidade. Sabes, actualmente, não temos tido muitas razões de festa…
Aquele genica acalma. Leva um certo tempo até interiorizar as palavras. Não é daquelas coisas que entram a cem e saem a duzentos. Não, é diferente. Estas fizeram eco, ficaram e propagaram-se. Pois, realmente, não há razões de festa para os sportinguistas, o presente não tem sido lá muito bom, é verdade, mas não faz mal que três amigos recordem os tempos bons que passaram. Somos a sombra do que fomos, diz-lhe um. É precisamente por isso que não querem aquele assunto. Há outros, outras recordações. Sim, mas podemos sempre voltar a acreditar no nosso Sporting, não? E outra vez sim, porque, olhando bem para a coisa, é possível. Precisam de acreditar. Bebem um copo, apoiam-se sobre a mesa e desenrolam a fita. Agora estão os três na mesma onda, com um sorriso. Bons tempos viveram.
Os sportinguistas sentem que o seu Sporting está adormecido. Precisam de olhar para trás, de puxar pela memória e gastar energias, para se orgulharem do clube que escolheram e se manterem ligados a ele de coração. Recordam. Porque, diz-se por aí, recordar é viver. Os últimos tempos foram maus de mais, com dureza desmedida, capazes de fracturar qualquer alma e qualquer amor pelo clube. Pá, até estive quase a deixar de pagar as quotas, mas depois… Mas depois não o fez. Porquê? Não deve ter sido do pena. Foi porque apesar de todos os problemas, daquela confusão toda, continuou a sobrar um fiozinho de esperança. Pequeno, sim, mas não desapareceu. Estava à espera de um motivo para ressurgir.
Três homens de sessenta anos estão ultrapassados para ir para o relvado, pôr as recordações em prática e levar tudo à frente. Por isso, têm de confiar em quem os representa. Há bons jogadores, aqueles tipos novos têm contratado bem. A fé parece ter voltado a Alvalade. Um novo presidente, um novo rumo no futebol, um treinador mobilizador e um plantel renovado. Tudo isso junto para voltar a haver alma, garra, vontade e muito querer. As páginas negras mancharam mas não apagaram os registos do passado. Há quem os recorde e os queira ver aplicados no presente. Se o gosto pelo clube se manteve, se as quotas continuaram pagas, nada melhor do que acreditar que, agora sim, será melhor. Pode não dar para chegar ao céu mas, ao menos, que dê para honrar o nome e a camisola. Para que o Sporting renasça. Vamos a Alvalade hoje, pá?
In: Futebol Portugal
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